Arquivo N: Os 50 anos da morte de Martin Luther King
O governo dos Estados Unidos liberou nesta segunda-feira (21) documentos sobre a vigilância promovida pelo FBI contra Martin Luther King Jr., apesar dos protestos da família do líder e do grupo de direitos civis que ele comandou até ser assassinado, em 1968.
A divulgação inclui mais de 240 mil páginas que estavam sob sigilo judicial desde 1977. Os arquivos foram entregues pelo FBI aos Arquivos Nacionais dos EUA naquele ano.
Em um longo comunicado divulgado nesta segunda, os dois filhos vivos de King — Martin Luther King III, 67, e Bernice King, de 62 — disseram que o assassinato do pai sempre despertou curiosidade pública, mas pediram que os documentos sejam analisados dentro do contexto histórico.
Eles tiveram acesso antecipado ao material e montaram equipes próprias para revisar os arquivos, trabalho que continua mesmo após a liberação ao público.
“Como filhos do Dr. King e de Coretta Scott King, essa perda foi um luto profundo e pessoal — uma ausência que a nossa família carrega há mais de 57 anos”, escreveram. “Pedimos que quem acessar esses arquivos o faça com empatia, cautela e respeito pela nossa dor.”
Martin Luther King participa de marcha em Memphis, Tennessee, em 28 de março de 1968, dias antes de ser assassinado
AP Photo/Jack Thornell, arquivo
Eles também reiteraram a posição da família de que James Earl Ray, condenado pelo assassinato, não agiu sozinho — e talvez nem sequer tenha sido o autor do crime.
Bernice tinha 5 anos quando o pai foi morto. Martin III, 10.
O gabinete da diretora de Inteligência Nacional, Tulsi Gabbard, chamou a liberação dos arquivos de “sem precedentes” e afirmou que muitos documentos foram digitalizados pela primeira vez. Gabbard elogiou o então presidente Donald Trump por impulsionar a divulgação.
Para uns, um gesto de transparência; para outros, distração.
Durante a campanha, Trump prometeu liberar documentos sobre o assassinato de John F. Kennedy, ocorrido em 1963. Já no governo, assinou uma ordem executiva para desclassificar também os arquivos ligados às mortes de Robert F. Kennedy e de Martin Luther King Jr., ambas em 1968.
Os papéis sobre JFK foram abertos em março. No mês seguinte, foi a vez dos arquivos sobre RFK serem liberados.
A nota do governo também trouxe uma declaração de Alveda King, sobrinha de Martin Luther King Jr. e apoiadora de Trump. Ela agradeceu ao ex-presidente pela “transparência”. Alveda costuma discordar dos filhos de King sobre diversos temas, inclusive a liberação desses documentos.
Na mesma segunda-feira, a procuradora-geral Pam Bondi publicou uma foto ao lado de Alveda King em seu gabinete.
Caso Epstein
Além de cumprir a ordem de Trump, a divulgação também ocorre em meio às críticas que o ex-presidente enfrenta por não liberar todo o material relacionado ao caso de tráfico sexual de Jeffrey Epstein, que se matou na prisão em 2019, enquanto aguardava julgamento. Na sexta-feira (18), Trump ordenou a divulgação de trechos do depoimento ao júri, mas manteve o restante do processo em sigilo.
Bernice e Martin III não citaram Trump no comunicado. Outros nomes do movimento de direitos civis foram mais diretos.
“Essa liberação não tem nada a ver com transparência ou justiça”, disse o reverendo Al Sharpton. “É uma tentativa desesperada de desviar o foco da crise que Trump enfrenta por causa dos arquivos de Epstein e da perda de apoio entre seus seguidores.”
Material pode alimentar novas investigações
Os arquivos de King estavam sob sigilo até 2027. Mas o Departamento de Justiça pediu a um juiz federal que retirasse a restrição antes do prazo. Pesquisadores, jornalistas e estudiosos agora analisam se há novas pistas sobre o assassinato em Memphis, em 4 de abril de 1968.
A Southern Christian Leadership Conference, organização cofundada por King em 1957, também se opôs à divulgação. Assim como a família, o grupo diz que o FBI agiu de forma ilegal ao vigiar King e outros líderes negros, grampeando telefones e tentando desacreditar o movimento.
Já se sabe que o então diretor do FBI, J. Edgar Hoover, tinha obsessão por King e outros ativistas. Arquivos já divulgados mostram que o FBI grampeou ligações de King, colocou escutas em quartos de hotel e usou informantes para espioná-lo.
“Ele foi alvo de uma campanha de desinformação e vigilância invasiva, predatória e profundamente perturbadora, orquestrada por J. Edgar Hoover e pelo FBI”, escreveram Bernice e Martin III. “O objetivo do programa COINTELPRO do governo não era apenas vigiar, mas destruir a reputação de nosso pai e desestabilizar o movimento de direitos civis. Essas ações foram ataques à verdade e às liberdades de cidadãos que lutavam por justiça.”
Eles afirmaram apoiar “a transparência e a responsabilidade histórica”, mas rejeitam “qualquer tentativa de atacar o legado do nosso pai ou usá-lo para espalhar mentiras”.
Família ainda contesta versão oficial do crime
Martin Luther King Jr. foi morto enquanto apoiava uma greve de garis em Memphis. Ele havia voltado sua atenção para questões econômicas e de paz internacional.
James Earl Ray se declarou culpado, mas depois retirou a confissão e até sua morte, em 1998, insistiu na inocência. A família King questiona a versão oficial desde sempre. Em 1998, a então procuradora-geral dos EUA, Janet Reno, reabriu o caso, mas o Departamento de Justiça concluiu que não havia elementos suficientes para mudar o veredito original.
Bernice e Martin III lembraram, no comunicado mais recente, de um processo civil movido pela família em 1999. Naquele julgamento, um júri concluiu que o assassinato foi resultado de uma conspiração.
“Vamos analisar os arquivos divulgados agora para entender se eles trazem algo novo além do que já sabemos e aceitamos”, disseram.
Vídeos em alta no g1

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.