SUS gastou R$ 449 milhões com vítimas de trânsito em 2024; fim do DPVAT agrava rombo na Saúde

Atendimentos por acidentes de moto são os mais frequentes no Hospital de Trauma de Campina Grande (PB)
Gustavo Xavier / g1
O Sistema Único de Saúde (SUS) gastou R$ 449 milhões em 2024 com internações de vítimas de acidentes de trânsito no Brasil, segundo levantamento inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base nos dados do Datasus, cedido ao g1.
🔎 O valor inclui desde atendimentos de emergência até reabilitação prolongada e fornecimento de órteses e próteses.
Com esse valor, seria possível comprar 1.320 ambulâncias do SAMU — cerca de 50 por estado. É quase quatro vezes mais do que o previsto no Novo PAC Saúde, que prevê 350 unidades para atender 5,8 milhões de pessoas.
Esses veículos seriam capazes de ampliar a cobertura do serviço de urgência para aproximadamente 22 milhões de brasileiros — quase quatro vezes mais do que o previsto com as 350 ambulâncias do Novo PAC Saúde, que atenderão 5,8 milhões de pessoas.
Os gastos hospitalares com vítimas do trânsito crescem ano a ano. Desde 1998, a alta foi de quase 50% em termos reais.
“Os países criaram a terra fértil para o modelo individual, em detrimento do coletivo, mas não se prepararam devidamente para isso. É um modelo de mobilidade que gera colapso, tanto do ponto de vista da segurança quanto da eficácia. O resultado é um sistema caro, ineficaz e perigoso”, disse Victor Pavarino, oficial técnico em segurança viária da OPAS/OMS.
Segundo os especialistas, a prevenção evitaria parte dos acidentes e reduziria os gastos e possibilitaria mais investimentos.
“São custos tangíveis e intangíveis. Estamos gastando para reparar os danos da insegurança, em vez de investir na prevenção e garantir que vidas não sejam perdidas por essa causa”, sustenta Ricardo Pérez-Núñez, assessor regional em segurança viária da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
Em paralelo, o SUS enfrenta outro desafio: desde 2021, deixou de receber repasses anuais do DPVAT, que chegavam a ultrapassar R$ 580 milhões por ano. Até sua extinção, o seguro para Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre destinava 45% da arrecadação à cobertura dos custos médico-hospitalares com vítimas de sinistros em todo o país.
Governo desiste de novo seguro para vítimas do trânsito
Você vai ler nesta reportagem:
SUS perdeu R$ 580 milhões anuais com extinção do DPVAT
Quanto custa não prevenir?
Gastos com acidentes cresceram 49% em 27 anos
Veja como seu estado gastou em acidentes em 2024
Prevenção evitaria rombo na saúde
95 pessoas morrem por dia em acidentes de trânsito
Saiba o que fazer em caso de acidente de trânsito
SUS perdeu R$ 580 milhões anuais com extinção do DPVAT
Com a extinção do seguro DPVAT, utilizado para indenizar vítimas de acidentes de trânsito, o Sistema Único de Saúde deixou de receber em média, desde 2021, cerca de R$ 580 milhões por ano.
Até então, 45% do valor arrecadado com o seguro — cobrado no licenciamento anual de veículos — era destinado ao SUS para custear a assistência médico-hospitalar das vítimas de sinistros em todo o país.
➡️ A suspensão do DPVAT foi autorizada em 2021 pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), sob a justificativa oficial de “potencial de evitar fraudes no DPVAT, bem como amenizar/extinguir os elevados custos de supervisão e de regulação do DPVAT por parte do setor público”.
Para substituí-lo, o governo federal propôs em 2024 a criação do SPVAT (Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito), mas diante da pressão de governadores e do Congresso contra a criação de um novo encargo obrigatório para motoristas, o governo voltou atrás e revogou a nova lei antes mesmo de ela entrar em vigor.
“Isso prejudica os atendimentos hospitalares e deveria ser revisto”, afirma Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, pesquisador do Ipea.
Entenda: Como fica a assistência para vítimas de acidentes de trânsito sem o DPVAT?
O g1 levantou os valores do seguro, entre 2011 a 2020, e de acordo com a Superintendência de Seguros Privados (Susep), o SUS recebeu mais de R$ 5,8 bilhões por meio dessa arrecadação naquele período. Veja quanto foi repassado a cada ano:
2020: R$ 595.049.245,00
2019: R$ 403.841.961,45
2018: R$ 651.351.247,20
2017: R$ 768.278.281,95
2016: R$ 769.833.576,45
2015: R$ 1.124.124.282,90
2014: R$ 1.352.201.278,50
2013: R$ 116.989.192,35
2012: R$ 9.333.085,05
2011: R$ 9.159.906,75
Quanto custa não prevenir?
A Organização Pan-Americana da Saúde estima que os sinistros de trânsito consomem entre 1% e 3% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países da América Latina. No caso do Brasil, isso representaria entre R$ 117 bilhões e R$ 351 bilhões por ano, considerando o PIB de R$ 11,7 trilhões em 2024.
“O investimento na prevenção sempre é menor do que o estrago que você tem, do impacto que você tem em várias dimensões — não só de saúde, mas previdenciária. […] Eu penso em termos de previdência social. Você pegou o pai de família, que era o sustento da família ali — ele deixa de ser um provedor e passa a ser um custo, e um custo alto”, aponta Pavarino.
Gastos com acidentes cresceram 49% em 27 anos
Desde 1998, os gastos hospitalares com sinistros de trânsito no Brasil formaram uma curva de crescimento quase constante ao longo de 27 anos. Em 1998, o SUS desembolsou R$ 301,7 milhões com internações decorrentes de acidentes de transporte. Em 2024, o valor chegou a R$ 449,8 milhões — um aumento real de aproximadamente 49%.
Veja o gráfico ano a ano:
Infográfico dos gastos do SUS com acidentes de trânsito no Brasil
Artes/g1
O maior salto aconteceu entre 2008 e 2009, quando os gastos saíram de R$ 280 milhões para R$ 386 milhões — um aumento de R$ 105 milhões em apenas um ano. Embora os valores tenham continuado subindo até 2014, esse foi o momento de crescimento mais abrupto em toda a série.
Posteriormente, mesmo durante os anos mais críticos da pandemia de Covid-19, quando houve redução no fluxo de veículos, os gastos com sinistros não caíram de forma significativa. Em 2020, o valor foi de R$ 404,9 milhões — apenas 15,8% abaixo do pico de 2014.
Infográfico dos gastos do SUS por estado com acidente de trânsito
Artes/g1
Prevenção evitaria rombo na saúde
Para especialistas da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), evitar os sinistros de trânsito exige fiscalização efetiva, uso correto de equipamentos de proteção, infraestrutura segura e mudanças no modelo de mobilidade.
O uso adequado do capacete, por exemplo, pode reduzir em até 72% a probabilidade de traumatismo grave e em 39% o risco de morte — mas ainda é negligenciado por boa parte dos condutores, de acordo com a organização.
Como o g1 mostrou, a fiscalização dessas regras aumentou, mas a aplicação de punições efetivas, como a suspensão da CNH, diminuiu.
Segundo Victor Pavarino, o país apostou no transporte individual motorizado sem se preparar para suas consequências.
“Criamos uma terra fértil para o modelo individual, mas não nos preparamos. O sistema entrou em colapso”, resume Pavarino.
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