Inclusão do Irã e condenação branda da invasão à Ucrânia alimentam críticas de que o bloco liderado por China, Brasil, Índia e Rússia antagoniza o grupo de países ocidentais liderados pelos EUA. Líderes dos Brics reunidos em 2023, na África do Sul. Ampliação dos membros de conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio tem aumentado críticas de que o bloco seria contra o Ocidente.
Getty Images via BBC
A Cúpula dos Brics começa neste domingo (6/7), no Rio de Janeiro, em meio a repetidas manifestações de lideranças americanas de que o bloco que reúne algumas das principais economias emergentes do mundo seria, na verdade, um grupo antiocidental.
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A presença no bloco de tradicionais adversários políticos dos Estados Unidos como a Rússia, China e, mais recentemente, o Irã, é vista, por especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, como um dos elementos que ajudou a criar essa visão de que o bloco seria contra o chamado “Ocidente”.
O termo “Ocidente” é comumente utilizado por especialistas em Relações Internacionais para designar um conjunto de países majoritariamente democráticos, composto pelos Estados Unidos, Canadá, as nações da Europa Ocidental e o Japão e que, durante a Guerra Fria, se opuseram ao bloco socialista liderado pela União Soviética.
Em 2024, o então senador e atual secretário de Estado americano, Marco Rubio, escreveu um artigo descrevendo os Brics como uma ameaça aos Estados Unidos e ao Ocidente.
“Não vamos esquecer. Os Brics foram fundados em 2009 por Vladimir Putin [presidente da Rússia] com o objetivo claro de derrubar os Estados Unidos da sua posição de líder global”, diz um trecho do artigo.
“Agora, efetivamente controlado por Pequim, os membros dos Brics juntam reservas estrangeiras e emprestam bilhões em dinheiro fácil para colocar nações em desenvolvimento contra os Estados Unidos e outros países ocidentais.”
Em novembro de 2024, antes de tomar posse, foi a vez de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fazer ameaças ao bloco caso ele adotasse medidas para diminuir o uso do dólar em suas transações comerciais.
“Exigimos um compromisso destes países de que eles não criarão uma nova moeda do Brics, nem apoiarão qualquer outra moeda para substituir o poderoso dólar americano ou enfrentarão tarifas de 100% e deverão esperar dizer adeus à venda para a maravilhosa economia dos EUA. Eles podem procurar outro otário!”, disse Trump em suas redes sociais.
Formado atualmente por Brasil, Rússia, China, Índia, Irã, Arábia Saudita, Etiópia, Indonésia, África do Sul, Emirados Árabes Unidos e Egito, o bloco representa quase a metade da população mundial e 40% da riqueza produzida globalmente.
Historicamente, o grupo vem defendendo reformas nos sistemas de governança internacionais e maior voz dos países emergentes em fóruns multilaterais. Desde 2009, os países vêm tentando coordenar suas políticas econômicas e diplomáticas, encontrar novas alternativas para as instituições financeiras e reduzir a dependência do dólar americano.
Mas será que isso, somado à presença de três adversários tradicionais dos Estados Unidos, é suficiente para dizer que os Brics são contra o Ocidente?
Especialistas entrevistados pela BBC News Brasil afirmam que a situação não é tão simples de definir. Eles afirmam que, embora haja países claramente contra a hegemonia ocidental liderada pelos Estados Unidos, como a Rússia, China e Irã, o bloco também é formado por países com fortes vínculos com os americanos e com a Europa Ocidental, entre eles o Brasil.
Eles afirmam, no entanto, que eventos recentes como uma suposta neutralidade do bloco em relação à invasão da Rússia à Ucrânia, a inclusão do Irã no grupo e condenação dos ataques de Israel e Estados Unidos ao país de maioria persa vêm dando combustível para críticas nessa direção.
Negociadores apresentam documento com propostas que serão discutidas na Cúpula do Brics no Brasil
Origem do bloco
O termo Brics surgiu, inicialmente, a partir de um relatório do economista Jim O’neil, em 2001, em que ele apontava que Brasil, Rússia, Índia e China seriam países que cresceriam acima da média mundial e poderiam se tornar importantes potências econômicas.
Em 2009, os líderes desses quatro países criaram o Bric, na primeira reunião do grupo, realizada na Rússia. Em 2011, a África do Sul foi incluída no bloco e o nome mudou para Brics. Em 2024, o grupo recebeu a entrada de outros seis membros, entre eles o Irã.
A professora de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e integrante do Brics Policy Center, Ana Paula Garcia, diz que os Brics não surge como um bloco antiocidental.
“Ele se forma no contexto internacional da crise financeira de 2008 que teve início nos Estados Unidos e depois se alastrou para o resto do mundo”, diz Garcia.
“Os Brics contestaram, naquele momento, a sub-representação que eles tinham como grandes economias regionais, nas instituições financeiras.”
Garcia aponta que, no seu início, o bloco parecia ter uma agenda mais focada na reforma das instituições globais e não tanto na substituição delas. A situação, no entanto, foi mudando.
“Com o passar dos anos, os Brics foram, gradativamente, migrando para uma coalizão de um peso geopolítico mais evidente na medida em que os Estados Unidos começaram atuar para conter a China e em que houve a invasão da Rússia à Ucrânia”, complementa.
“Esse peso geopolítico aumentou com a entrada de países do Oriente Médio, ricos em reservas de petróleo.”
Lula e Vladimir Putin durante visita do brasileiro a Moscou. Laços dos Brics com países como a Rússia, China e Irã têm alimentado críticas de que o bloco seria contra o chamado Ocidente.
Ricardo Stuckert/Presidência da República via BBC
Antiocidente ou não-ocidente?
Em um artigo recente na revista do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, rechaçou a tese de que os Brics seja um grupo antiocidental.
“O absurdo do estereótipo, derivado de análises apressadas ou interessadas, não resiste ao fato de que nenhum bloco que reúna integrantes com a trajetória diplomática e o perfil de países como o Brasil, a África do Sul e a Índia pode ser considerado contrário ao Ocidente”, disse o chefe da diplomacia brasileira.
Em 2024, segundo a Bloomberg, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, disse que o Brics deveria ser “cuidadoso” em relação à sua imagem “para garantir que esta organização não adquira a imagem de que ela está tentando substituir as instituições globais”.
Na Cúpula dos Brics em Kazan, na Rússia, em 2024, Putin citou uma frase que teria sido dita por Modi ao falar sobre a suposta posição contrária ao Ocidente do Brics.
“Os Brics nunca foi sobre ser contra ninguém. O primeiro-ministro indiano tem dito que os Brics não são um grupo antiocidente. Ele é apenas um grupo não-ocidental”, disse o líder russo em uma entrevista coletiva.
A professora Devika Misra, da Escola Assuntos Internacionais de Jindal, na Índia, avalia que seria injusto afirmar que os Brics são um bloco contra o Ocidente.
“No bloco, há países como a Índia, Brasil e África do Sul que seriam bastante contra algum sentimento antiocidental. O mesmo pode-se dizer dos novos membros do grupo oriundos do Oriente Médio”, afirma Misra.
“Claro que Rússia, China e Irã podem se posicionar contra o Ocidente em alguns momentos, mas essa agenda antiocidental ficaria muito limitada dentro do grupo.”
A professora cita o caso da Índia como exemplo de vínculos tanto com os Brics quanto com o Ocidente representado pelos Estados Unidos.
“Ao mesmo tempo em que nosso primeiro-ministro [Narendra Modi] estará no Rio, durante os Brics, teremos ministros visitando os Estados Unidos e tendo reuniões importantes lá.”
O professor do Departamento de Estudos de Defesa da universidade King’s College, de Londres, Zeno Leoni, também avalia que seria precipitado chamar os Brics de antiocidental.
“Sim, de um lado há países como a Rússia e a China, que são forças claramente contra-hegemônicas. Mas do outro lado temos Brasil, Índia, África do Sul, Indonésia e Emirados Árabes Unidos que não são forças contra o ocidente. Claramente, eles são críticos do Ocidente, mas não são contra”, diz.
Para a professora Ana Paula Garcia, no entanto, eventos recentes estariam dando combustível para alegações de que os Brics seriam um bloco antiocidental. O primeiro deles foi a invasão russa à Ucrânia.
A hesitação de alguns países do bloco em condenar a Rússia pela invasão à Ucrânia e o apoio dado pelo bloco ao Irã após os ataques aéreos coordenados por Israel e Estados Unidos, têm atraído críticas sobre um suposto caráter antiocidental do grupo.
“Neste sentido, a gente vê o bloco apoiando um parceiro em uma postura mais antiocidental, como no caso da Rússia”, diz.
O outro episódio foi a inclusão do Irã no bloco, decidida em 2023 e efetivada em 2024.
Segundo Garcia, o Irã entrou no bloco graças aos laços que o país mantém com a China e com a Rússia e não por conta da sua economia, gravemente prejudicada pelas sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos.
Por isso, a chegada do Irã e os recentes conflitos envolvendo o país adicionaram um novo elemento geopolítico aos Brics.
“Os Brics viraram um lugar atrativo para países que querem entrar no bloco porque ele acaba representando um potencial apoio para o enfrentamento a países como os Estados Unidos”, diz a professora.
Há grande expectativa entre os negociadores dos Brics sobre se ou como o bloco irá se manifestar em relação aos ataques feitos ao Irã por Israel e Estados Unidos.
Há duas semanas, o bloco divulgou uma nota expressando “preocupação” com os ataques, mas sem mencionar Israel ou Estados Unidos. A nota também afirmou que os ataques violaram a soberania iraniana.
Diplomatas iranianos, no entanto, tentaram convencer os colegas dos demais países a reforçarem o tom sobre os ataques na declaração final que deve ser divulgada entre domingo e segunda-feira (7/6).
Uma fonte do governo brasileiro que acompanha as negociações afirmou à BBC News Brasil em caráter reservado que os negociadores teriam contornado a resistência iraniana e fecharam o texto da declaração, mas seu conteúdo ainda não foi divulgado.
Lula e Xi Jinping durante encontro em Pequim, em maio deste ano. O líder chinês não participará da cúpula dos Brics, no Rio. Será a primeira vez que ele falta a uma cúpula do bloco desde que assumiu o poder, em 2013.
Ricardo Stuckert/Presidência da República via BBC
Ausências e mudança de foco no horizonte?
Os três países que mais atraem críticas sobre uma eventual agenda antiocidental dos Brics não enviaram seus presidentes para a cúpula no Rio de Janeiro.
Vladimir Putin, da Rússia, não virá pois é alvo de um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional por supostos crimes de guerra no conflito na Ucrânia. Ele deverá participar da cúpula por videoconferência.
Xi Jinping, da China, não chegou a anunciar oficialmente os motivos pelos quais não virá ao Rio, mas, segundo o governo brasileiro, sua ausência é fruto de um conflito de agenda. Ele será representado pelo primeiro-ministro chinês, Li Qiang.
O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, também não virá. Nenhuma justificativa oficial foi apresentada, mas membros do governo brasileiro afirmaram à BBC News Brasil em caráter reservado que sua ausência é motivada pela crise de segurança no país resultante dos ataques que o país vem recebendo de Israel nas últimas semanas. Em seu lugar, está prevista a participação do chanceler Abbas Araghchi.
Para Devika Misra, a ausência do líder chinês é, provavelmente, boa para a imagem de bloco antiocidente dos Brics.
“Espero que a ausência de Xi Jinping, em especial, dissipe a crítica sobre os Brics que vem dos Estados Unidos. Os americanos saíram de uma postura em que os Brics não tinham importância alguma para uma em que os Brics, agora, são perigosos”.
Por outro lado, a professora avalia que a mesma ausência pode sinalizar algo diferente em relação ao governo chinês: “A China pode estar diminuindo o valor que ela dá para os Brics”.
Ana Paula Garcia avalia que o Brasil também fez movimentos para evitar pontos de fricção com os Estados Unidos.
“A cúpula de 2024, na Rússia, trouxe muitas propostas na área financeira e monetária, e o Brasil não está entrando nessa proposta. Na verdade, o país tirou bastante a pressão dessa agenda”, diz.
“O país está tirando o foco da contestação [aos Estados Unidos] e está tomando cuidado com relação às respostas que os Estados Unidos podem dar às ações dos Brics.”

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