‘Brasil é hoje um sistema mais democrático do que os Estados Unidos’, diz autor do best-seller ‘Como as democracias morrem’
Para professor de Harvard, diferentemente dos EUA, Brasil respeita a crença de que, se há forças políticas que infringem a lei e ameaçam abertamente a democracia, elas devem ser impedidas de assumir o poder
Getty Images via BBC
As instituições brasileiras responderam melhor às ameaças à sua democracia do que as americanas fizeram em um cenário semelhante, afirma Steven Levitsky, autor do best-seller Como as democracias morrem e professor da Universidade de Harvard.
“Acho que hoje o Brasil é um sistema mais democrático do que os Estados Unidos. Esse pode não ser o caso daqui a um ano, mas hoje as instituições brasileiras estão funcionando melhor”, disse o cientista política em entrevista à BBC News Brasil no início da tarde de segunda-feira (21).
Segundo Levitsky, a resposta brasileira às ameaças durante e depois das eleições de 2022 foi melhor orquestrada e mais forte do que a dada pelos Estados Unidos ao presidente Donald Trump após a tentativa de invasão ao Capitólio em 2021.
O autor afirma ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) fez um importante trabalho de proteção da democracia durante o governo Jair Bolsonaro (PL), mas alerta para a necessidade de a Corte voltar “para o seu devido lugar” assim que a crise atual for superada.
“Sempre que há um órgão não eleito formulando políticas, se está em um território perigoso em uma democracia”, diz, em referência ao STF. “Com relação ao processo contra Bolsonaro, pelo que posso perceber, o tribunal parece estar no seu devido lugar. Este é o trabalho do tribunal: julgar Bolsonaro e puni-lo, se ele for de fato considerado culpado.”
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Questionado sobre as decisões do governo de Donald Trump de impor tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras e sancionar o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e seus “aliados”, Steven Levitsky afirmou se tratar de ações de intimidação e bullying que estão “minando” o processo democrático no país.
Também segundo o professor de Harvard, a tentativa de interferência atual dos EUA no Brasil é mais “personalizada”, “desinformada” e “arrogante” do que as ações desempenhadas pelos americanos na América Latina durante a Guerra Fria – quando Washington apoiou golpes militares que instalaram ditaduras que perseguiram e em alguns casos torturam e assassinaram inimigos políticos.
“Quer concordemos ou não com a política dos EUA em 1964 no Brasil, ou em 1973 no Chile, pelo menos se tratou de uma política de Estado´[…]. Não é isso [que está acontecendo agora]. O que vemos é um capricho pessoal de Trump baseado em muita desinformação, muita ignorância e muita arrogância”, afirma.
“Não se trata de uma política séria, mas de um país muito grande, rico e poderoso, fazendo política externa de uma república das bananas.”
Levitsky disse ainda acreditar que “aqueles que enfrentam Trump têm mais probabilidade de sucesso” no embate contra as “ameaças unilaterais” e políticas comerciais do republicano.
“É difícil pedir a qualquer governo para enfrentar Trump, mas acho que todos nós estaremos melhor se ele for contido”, afirmou, sobre a melhor resposta do Brasil às últimas ações da Casa Branca.
Para o estudioso, o governo brasileiro se tornou alvo do presidente americano por “motivos pessoais” de Donald Trump e por não se curvar aos Estados Unidos.
“De nações que não são potências nucleares, que não são a Rússia ou a China, Trump espera subserviência. E governos como o Brasil, que não se curvam, têm mais chances de se tornarem alvos.”
Interferência atual dos EUA no Brasil é mais personalizada, desinformada e arrogante do que durante a Guerra Fria, diz professor de Harvard
Arquivo Pessoal
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Steven Levitsky à BBC Brasil.
As declarações foram dadas pelo pesquisador no início da tarde da segunda-feira, dia 21, antes da decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre a veiculação de falas de Jair Bolsonaro por redes sociais de terceiros. O magistrado do STF também determinou que a defesa do ex-presidente explique em até 24h, sob pena de prisão, por que ele apareceu em um vídeo publicado pelo seu filho, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
BBC News Brasil – Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre as exportações do Brasil, a partir de 1º de agosto, descrevendo as ações do Judiciário brasileiro contra o ex-presidente Jair Bolsonaro como uma “caça às bruxas”. O que esse tipo de tentativa de interferir em outro país, e mais especificamente no sistema judiciário de outro país, diz sobre os Estados Unidos neste momento?
Steven Levitsky – Esta não é a primeira vez que os Estados Unidos intervêm nos processos democráticos internos de outros países. Mas é a primeira vez em muito tempo, que eu saiba, que os EUA usam uma política comercial para fazer bullying contra outros governos.
Durante a Guerra Fria e mesmo antes dela, os EUA usaram intervenção militar, ações subversivas da CIA e de outras agências de inteligência [para interferir]. Os Estados Unidos são uma grande potência e seus governos têm a capacidade, quando escolhem fazê-lo, de intimidar governos estrangeiros e intervir nos seus processos internos. É uma coisa terrível para a democracia e, a longo prazo, para a posição dos EUA no mundo.
BBC News Brasil – O que difere o que está acontecendo neste momento do que foi feito no passado, na Guerra Fria?
Levitsky – É diferente em muitos aspectos, mas principalmente por ser um movimento personalizado. Isso não é algo que está sendo conduzido pelo Departamento de Estado ou pela CIA. Não é um produto da política externa dos EUA ou uma ação do Estado. É tudo Donald Trump.
Neste caso, ele não entende de política brasileira. Eu nem sei se Donald Trump entende que o Brasil é uma democracia. Ele é um cara bem limitado e ignorante sobre política na América do Sul, que não sabe como funciona o processo judicial no Brasil. E eu não acho que ele entenda muito sobre o que Bolsonaro fez. Mas ele foi convencido de que Bolsonaro foi injustiçado, assim como ele acredita que foi injustiçado. Creio que ele acredite que, de alguma forma, está fazendo justiça no Brasil.
Mas quer concordemos ou não com a política dos EUA em 1964 no Brasil, ou em 1973 no Chile, pelo menos se tratou de uma política de Estado. Não é isso [que está acontecendo agora]. O que vemos é um capricho pessoal de Trump baseado em muita desinformação, muita ignorância e muita arrogância.
Não se trata de uma política séria, mas de um país muito grande, rico e poderoso, fazendo política externa de uma república das bananas.
BBC News Brasil – Como o senhor descreveria o estado atual da democracia nos Estados Unidos?
Levitsky – Escrevi um artigo no The New York Times há alguns meses argumentando que os Estados Unidos perderam sua democracia. Recaímos em uma forma relativamente branda e reversível de autoritarismo, onde o custo de se opor legalmente ao governo – seja organizando protestos, dando dinheiro a um candidato da oposição, escrevendo um editorial ou se manifestando contra o governo – aumentou.
Pessoas podem ser presas ou sofrer uma investigação fiscal por se oporem ao governo. A mídia pode ser processada. Todos os tipos de críticos do governo Trump estão sendo investigados pelo Departamento de Justiça. Quando você precisa pensar duas vezes [antes de fazer algo], porque pode haver um custo por se envolver em uma oposição pacífica legal, você não está mais vivendo em uma democracia.
A democracia dos EUA não está apenas ameaçada, ela foi descarrilada. Temos uma boa chance de recuperá-la, mas não vivemos mais em um sistema totalmente democrático. Os americanos têm muita, muita dificuldade em aceitar e reconhecer isso. Nós meio que presumimos que nossa democracia é invulnerável. Mas perdemos nossa democracia nos últimos seis meses e temos que lutar para recuperá-la.
BBC News Brasil – Os EUA são conhecidos por seu sistema de pesos e contrapesos, mas Donald Trump vem implementando ações unilaterais significativas, tanto internamente quanto externamente, com pouca resistência institucional. O que aconteceu com os outros Poderes?
Levitsky – Eles falharam. Pode ser que nosso sistema de pesos e contrapesos, que costumava ser forte, tenha enfraquecido. Ou pode ser que ele não era tão forte quanto imaginávamos.
A instituição do impeachment e da condenação foi criada pelos Pais Fundadores [dos EUA] para lidar com demagogos e autoritários como Donald Trump. Essa instituição falhou. O sistema Judiciário, o Legislativo e o Partido Republicano falharam em responsabilizar Trump. Todas as nossas instituições de responsabilização, todos os nossos famosos pesos e contrapesos, falharam.
BBC News Brasil – O senhor vê alguma possibilidade de o Congresso ou o Judiciário americanos anularem as tarifas impostas ao Brasil e as sanções contra os ministros do STF?
Levitsky – Não sei. Não parece haver muita disposição para restringir o poder Executivo no seu uso de tarifas. E, em geral, quando se trata de política externa, o Legislativo tende a ceder ao Executivo. Então, meu palpite é que caberá ao Brasil forçar Trump a recuar. Ou que o próprio governo terá que perceber que se trata de uma política incrivelmente estúpida.
BBC News Brasil – E como o Brasil poderia agir para fazer os EUA recuarem?
Levitsky – Isso cabe ao Brasil. Mas tanto internacionalmente quanto domesticamente, Trump tem agido como um ‘bully’ que quebra normas e regras e faz ameaças unilaterais na tentativa de conseguir o que quer.
Mas o que aprendemos é que muitos atores, governos, meios de comunicação, juízes, legislaturas, partidos e universidades permitiram que Trump se safasse de muita coisa. Eles recuaram diante das ameaças dele, e isso só o encorajou a se envolver em mais abusos. São aqueles que enfrentam Trump que têm mais probabilidade de sucesso.
É difícil pedir a qualquer governo para enfrentar Trump, mas acho que todos nós estaremos melhor se ele for contido. Mas, novamente, não posso aconselhar o governo brasileiro sobre o que fazer. Só os brasileiros sabem [como devem agir].
BBC News Brasil – Por que o Brasil se tornou alvo e como esse confronto beneficia Trump?
Levitsky – É muito difícil determinar o que está por trás das decisões de Trump, pois nem sempre há uma lógica racional. Ele não está sendo bem informado ou aconselhado e, ao contrário do primeiro mandato, não há mais ninguém perto dele que possa contê-lo ou dizer que ele está errado. Então, se alguém consegue persuadir Trump a fazer algo, há pouco que possa impedi-lo.
Neste caso, acho que a família Bolsonaro conseguiu a atenção dele. Trump acredita que a eleição de 2020 nos EUA foi roubada e que o sistema judiciário se envolveu em uma caça às bruxas contra ele. E os Bolsonaro parecem ter persuadido Trump de que Bolsonaro enfrenta uma situação muito semelhante no Brasil. Acredito que Trump esteja fazendo isso por motivos pessoais.
Ao mesmo tempo, este é um governo que, no cenário internacional, não gosta de países que discordam dele ou que assumem uma posição diferente e se recusam a curvar-se aos Estados Unidos. De nações que não são potências nucleares, que não são a Rússia ou a China, Trump espera subserviência. E governos como o Brasil, que não se curvam, têm mais chances de se tornarem alvos.
BBC News Brasil – Lula acusou Trump de agir como uma espécie de “xerife” ou “imperador” do mundo. O senhor identifica essa dita “tendência imperialista” nas decisões recentes do presidente?
Levitsky – Como disse, este governo não tem uma lógica muito clara. Por um lado, continua alegando que quer se afastar do internacionalismo americano, que quer deixar de ser xerife do mundo e colocar os Estados Unidos em primeiro lugar. Mas aí, ocasionalmente, ele sai e tenta intimidar governos no exterior. É bastante inconsistente.
Os Estados Unidos são uma potência imperial, com poder de coagir. E qualquer governo que decida fazer isso, seja por razões econômicas, geopolíticas ou em defesa dos direitos humanos, pode fazê-lo. Este governo está coagindo outros pelos objetivos pessoais de Trump.
Não me parece haver uma lógica suficientemente estratégica para chamar de imperialismo. Diria que são mais queixas pessoais, mal informadas e egocêntricas de Trump. E é muito… é muito triste, é patético, é destrutivo que isso esteja moldando a política externa dos EUA no ano de 2025. Mas essa é a realidade.
BBC News Brasil – O que isso significa para a governança global e o equilíbrio de poder no mundo?
Levitsky – O mundo, durante toda a história da humanidade e até a 1ª Guerra Mundial, operou de acordo com uma lógica mercantilista dos ‘poderosos devoram os fracos’. Se você fosse um Estado poderoso, poderia fazer o que quisesse. Mas aí nos industrializamos e aprendemos o custo desse tipo de confronto aberto na 1ª e ainda mais na 2ª Guerra Mundial. As potências globais lidaram com isso criando uma ordem internacional baseada em regras. Essa ordem nunca funcionou perfeitamente, mas nos restringiu. Criou um mundo muito mais pacífico, que era necessário dado o poder militar disponível.
Trump não entende como funciona essa ordem internacional baseada em regras.
A invasão da Ucrânia por Putin já foi um golpe sério para ela. E a visão de mundo de Trump, que propaga a ideia de que se os EUA quiserem podem retomar o Canal do Panamá, tomar a Groenlândia e usar qualquer ferramenta disponível, seja ela comercial ou política, para intimidar outros governos, é mais uma séria ameaça.
BBC News Brasil – O senhor vê algum risco de que outros líderes globais adotem uma abordagem semelhante ou comecem a imitar as táticas de Trump?
Levitsky – Acho que vai depender do sucesso de Trump. Se ele se safar, for percebido como bem-sucedido, então, sim, outros governos podem muito bem o imitar. É por isso que, se estivermos interessados em preservar a ordem internacional baseada em regras que prevalece desde a Segunda Guerra Mundial, governos como os de Putin e Trump não podem ser percebidos como bem-sucedidos.
Por enquanto, ainda é cedo para dizer como Donald Trump será visto. Seus índices de aprovação caíram, mas se passaram apenas seis meses. Mas se sua estratégia funcionar, ele fará isso mais vezes e outros governos seguirão o exemplo.
BBC News Brasil – O filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, afirma que os Estados Unidos não têm intenção de voltar atrás em sua decisão — e poderiam até não reconhecer os resultados das eleições presidenciais de 2026 se Jair Bolsonaro não for autorizado a concorrer. Na sua opinião, qual a gravidade dessa ameaça?
Levitsky – É sempre séria. Trump tem muito poder e é um cara sem restrições, com muito poder econômico, militar e diplomático por trás dele. Então, qualquer ameaça que Trump faça tem que ser levada a sério.
Agora, Trump recua em suas ameaças o tempo todo, especialmente em relação às tarifas. Então, Eduardo Bolsonaro não sabe o que Trump vai fazer. Eu não acho que Trump saiba o que Trump vai fazer em 1º de agosto. Bolsonaro pode dizer o que quiser, mas ele não tem ideia do que está por vir na política externa dos EUA. Este governo é capaz de fazer coisas muito estúpidas e destrutivas.
BBC News Brasil – Bolsonaro é frequentemente comparado a Trump. Tanto os EUA quanto o Brasil presenciaram uma invasão de prédios do governo por apoiadores de Trump e Bolsonaro. No entanto, no Brasil, Bolsonaro não está autorizado a concorrer à Presidência, enquanto nos EUA Trump pôde se candidatar e venceu. Como você vê essas diferenças?
Levitsky – O Brasil adotou uma resposta diferente às ameaças à democracia em comparação com os Estados Unidos. A resposta do Brasil é muito mais semelhante à de outras democracias, onde existe a crença de que, se há políticos ou forças políticas que infringem a lei e que ameaçam abertamente a democracia, eles devem ser impedidos pelo Estado de assumir o poder. O Estado tem o direito, seja o Judiciário ou outros atores no Estado, de tomar medidas para impedir o combate às ameaças à democracia.
Há uma lei aprovada há poucos anos no Brasil que determina pena de prisão para aqueles que atacam abertamente a democracia. Há evidências bastante sólidas – que ainda não foram comprovadas na Justiça – de que Bolsonaro tentou orquestrar um golpe em 2022. Você pode concordar com isso ou não, mas é o processo democrático do Brasil funcionando.
E, novamente, Trump não entende isso. Os EUA têm uma abordagem muito diferente. Temos uma abordagem muito mais laissez-faire [termo francês que significa “deixar em paz” ou “deixar fazer”], e criminosos e [pessoas que fazem] ameaças à democracia podem concorrer a cargos públicos. Nunca tomamos medidas sérias para impedir que um candidato de um partido tradicional concorra a um cargo.
Então, esse tipo de ação [do Brasil] é um tanto estranha aos Estados Unidos. Mas qualquer pessoa no Departamento de Estado, no aparato de política externa dos EUA ou com alguma experiência sobre como outros países funcionam, saberia que o que o Brasil está fazendo é bastante comum em democracias.
Mas Trump está interpretando [as ações no Brasil] através de sua própria lente, que é muito tendenciosa e muito ignorante. Em última análise, trata-se de uma potência estrangeira tentando intimidar um governo democrático e, ao fazê-lo, minando o seu processo democrático.
BBC News Brasil – Como se compara o Estado e a força da democracia atual nos EUA e no Brasil?
Levitsky – A democracia brasileira tem muitos problemas e muitas ameaças também – e a crise de 2022 também não está totalmente superada. Não pretendo retratar o Brasil como uma democracia sem crises ou como um modelo.
Mas tanto os Estados Unidos quanto o Brasil elegeram figuras autoritárias de extrema direita: os Estados Unidos em 2016, o Brasil em 2018. Ambos tentaram anular os resultados de uma eleição e, de maneiras diferentes, tentaram orquestrar um golpe presidencial. Donald Trump escapou impune. Ele falhou em dar o golpe, mas o Legislativo, o Judiciário ou seu próprio partido não o responsabilizaram. Ele foi autorizado, apesar de ter tentado um golpe, a concorrer à reeleição e venceu.
No Brasil, houve uma denúncia bastante ampla da tentativa de golpe de 2022 e um esforço muito mais sério para responsabilizar Jair Bolsonaro. Ele ainda tem muito apoio, muitos aliados políticos, e não sabemos o que vai acontecer a seguir. Mas, por enquanto, o Judiciário impediu uma figura abertamente autoritária de concorrer novamente. E Bolsonaro pode acabar preso por seus crimes contra a democracia.
Então as instituições democráticas do Brasil parecem ter respondido de forma muito mais saudável do que as dos Estados Unidos. Acho que hoje o Brasil é um sistema mais democrático do que os Estados Unidos. Esse pode não ser o caso daqui a um ano, mas hoje as instituições brasileiras estão funcionando melhor.
BBC News Brasil – O senhor já afirmou que, nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) expandiu seu papel para talvez além do que deveria, em nome da democracia. Como o senhor avalia as decisões mais recentes do tribunal sobre o julgamento de Bolsonaro e a regulamentação das plataformas digitais?
Levitsky – Não sou especialista o suficiente na política brasileira cotidiana para opinar com muita inteligência sobre isso. Mas acho que o Brasil enfrentou uma situação extraordinária entre 2018 e 2022, e logo após as eleições alguém teve que se levantar e defender a democracia. Faz algum sentido que tenha sido o Supremo Tribunal Federal no Brasil, e acho que foi, em última análise, positivo para a democracia que ele tenha feito isso.
Agora, ninguém jamais abre mão do poder voluntariamente. Quando você entrega poder aos tribunais, ao governo ou aos militares, eles nunca o devolvem voluntariamente. Então, depois que essa crise – espero – for superada, os brasileiros terão que enfrentar a tarefa de empurrar o Supremo Tribunal Federal de volta para o seu devido lugar. Sempre que há um órgão não eleito formulando políticas, se está em um território perigoso em uma democracia.
Com relação ao processo contra Bolsonaro, pelo que posso perceber, o tribunal parece estar no seu devido lugar. Este é o trabalho do tribunal: julgar Bolsonaro e puni-lo, se ele for de fato considerado culpado. Vou ter que me desvencilhar da questão sobre regulamentação das plataformas digitais porque não estou acompanhando o tema de perto o suficiente.