Extrema direita de Portugal expõe nomes de crianças em campanha anti-imigração
André Ventura, candidato do partido de extrema direita português Chega a primeiro-ministro
REUTERS
Os deputados do partido de ultradireita Chega, de Portugal, decidiram expor nomes de origem árabe e muçulmana atribuídos a crianças estrangeiras de uma pré-escola em Lisboa como forma de ação política contra imigrantes.
A iniciativa veio à tona em 3 de julho, por meio da deputada Rita Matias, que leu os nomes em um vídeo divulgado em redes sociais e afirmou que essas crianças ocupariam vagas de alunos portugueses.
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No dia seguinte, em uma sessão da Assembleia da República, o líder do Chega, André Ventura, repetiu os nomes em um discurso. “Há uma mudança cultural e civilizacional que está em curso por culpa do Partido Socialista e da extrema esquerda”, afirmou.
A fala dos deputados do Chega ecoa a chamada teoria da “Grande Substituição”, uma teoria da conspiração de grupos de direita que alegam que a esquerda pretende substituir a população nacional, branca e católica, por imigrantes muçulmanos.
Na Europa, essa ideia se espalhou a partir de 2015, com o fluxo de refugiados de países predominantemente muçulmanos. A origem dessa teoria é atribuída ao ativista francês Renaud Camus, que em 2011 publicou um livro no qual afirma que a França seria recolonizada por imigrantes que ocupariam a política e a economia locais, de modo a eliminar a identidade nacional francesa. Essa noção inspirou o discurso anti-imigração e de supremacia branca de partidos da ultradireita no continente.
Pais de estudantes reagem
Associações de pais de estudantes reagiram à atitude dos deputados do Chega por meio de uma carta aberta. “Fazer insinuações infundadas em praça pública apenas alimenta o ressentimento social e ataca injustamente famílias e crianças que cumpriram todos os requisitos legais [para matrícula]”, afirma o texto.
Na carta, as associações reconhecem que há um problema de falta de vagas em escolas públicas, mas que não há privilégio a determinados grupos de alunos.
“É totalmente mentira que os cidadãos estrangeiros, as crianças, tenham prioridade sobre os portugueses. A lei é igual para todas as nacionalidades, para todas as crianças”, afirma João Carvalho, sociólogo da Universidade de Lisboa.
Ele pontua que, com a alta da imigração, cresceu a diversidade nas escolas. “E esse aumento tem sido utilizado por André Ventura para fomentar a hostilidade e a rivalidade, ou seja, uma ideia que os bens sociais como a educação são escassos e que existe uma grande competição para a chegar a estes recursos.”
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Percentual de imigrantes cresceu
Nos últimos dez anos, Portugal testemunhou uma alta na chegada de estrangeiros que alterou sua composição demográfica: em 2015, o país registrava 397,7 mil imigrantes. Em 2025, segundo dados da Agência para Integração, Migrações e Asilo (Aima), esse grupo soma 1,5 milhão de pessoas.
Com isso, agora os estrangeiros são 14% dos 10,6 milhões de habitantes de Portugal. Os brasileiros são o maior grupo, compondo 29% dos estrangeiros, e asiáticos oriundos de países como Índia, China, Nepal e Bangladesh somam cerca de 12,3% deles.
O cientista político Antônio Costa Pinto afirma que o “temor da islamização” varia entre os partidos europeus de ultradireita, e que em Portugal o discurso se voltou prioritariamente contra os imigrantes de origem asiática.
“No caso português, com o crescimento da imigração, a direita radical populista tanto investe contra esse setor como os afro-portugueses ou até do próprio Brasil. Essa foi a grande diferença que a nova direita radical portuguesa introduziu, ao romper com a tradição lusotropicalista e adotar um discurso mais abertamente racista”, explica.
A população portuguesa segue a tendência europeia e tem uma taxa de envelhecimento acelerada, combinada a baixas taxas de fecundidade, insuficientes para repor o déficit demográfico.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2022, 24% da população tinham 65 anos ou mais, enquanto a média de nascimentos era de 1,43 filhos por mulher. O relatório do INE concluiu que o crescimento da população só ocorreu naquele ano porque o saldo da imigração foi maior do que o número de óbitos.
“Portugal é uma sociedade envelhecida, e o próprio crescimento econômico português exige mão de obra imigrante. No turismo, nas fábricas, no agro-exportador do sul do país”, acrescenta Costa Pinto.
Avanços da direita
Mesmo assim, a retórica anti-imigração avança no Parlamento, e o medo gerado na população a partir de narrativas sobre a imigração favorece a ascensão ao poder de partidos como o Chega.
Uma pesquisa conduzida por pesquisadores do Instituto Universitário de Lisboa mostrou que quanto maior for o número de notícias sobre imigração, maior será a saliência política desse tema, segundo as pesquisas de opinião Eurobarômetro.
Essa “pressão imigratória” já era descrita como “um risco aos portugueses” desde 2019 no programa político do Chega, quando a legenda disputou sua primeira eleição legislativa.
Desde então, com a radicalização dessas posições, o partido ampliou sua participação na Assembleia da República de uma para 60 cadeiras em 2025, e hoje tem a terceira maior bancada do Parlamento português.
Deputada do partido de esquerda Livre, Isabel Mendes avalia que o Partido Social Democrata (PSD), do primeiro-ministro Luís Montenegro, ficaria rendido às pautas da ultradireita ao se aliar ao Chega para obter maioria nas votações. Ela considera que o partido tem sido bem-sucedido em promover sua agenda, pois, embora não esteja no governo, consegue ver algumas de suas propostas aprovadas.
“Ao invés de se concentrar em resolver problemas sérios como habitação, saúde e educação, estão a focar-se em polarizar, dizer às pessoas que estão a viver pior porque aquele outro grupo de pessoas existe. Neste momento estão a usar crianças para fazer essa polarização”, afirma Mendes.
Parlamento de Portugal restringe entrada de imigrantes
Mudanças legislativas
Quando Ventura expôs os nomes das crianças imigrantes, o Parlamento português discutia mudanças propostas pelo governo à Lei de Nacionalidade e à Lei de Imigração, que endurecem as regras para estrangeiros que querem permanecer no país.
Em 16 de julho, a primeira leva de alterações foi aprovada e atingiu diretamente a comunidade brasileira. Entre as medidas, estão o fim da possibilidade de entrar legalmente no país como turista e depois se regularizar com o pedido de autorização de residência. Além disso, quem já mora em Portugal tem de agora esperar dois anos até poder solicitar o visto para parentes.
O sociólogo João Carvalho avalia que a inércia de partidos progressistas teria favorecido a radicalização do discurso anti-imigração da direita radical. “Tiveram a oportunidade de realizar esse regulamento quando estiveram no poder e tinham maioria na Assembleia da República até 2024. Mas faltou visão política para isso”.
Isabel Mendes reconhece que, com a composição atual do Parlamento, é difícil fazer frente ao Chega, e avalia que seu campo progressista precisaria se unir para além do Legislativo. “Quando o regime está em risco, é preciso defender a democracia e depois, dentro da democracia, há debates que podem ser feitos entre posições progressistas e mais conservadoras. Por isso, é preciso haver uma aliança entre democratas, pessoas, partidos, associações, e até conservadores.”