Como vai funcionar a ‘polícia para imigrantes’ em Portugal
Manifestação de imigrantes em Porto, Portugal; nos últimos meses, país europeu tem endurecido controle migratório.
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Portugal aprovou na semana passada a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), que vem sendo chamada de “polícia para imigrantes”.
A unidade, que fará parte da Polícia de Segurança Pública (PSP), pretende reforçar a fiscalização da imigração.
Na prática, a UNEF passa a ter o controle na entrada e saída de imigrantes por via aeroportuária; na concessão de visto na chegada; nas situações de permanência irregular e na repatriação de cidadãos em situação irregular.
A UNEF foi aprovada no Parlamento com os votos favoráveis da coalizão de centro-direita que lidera o governo, a Aliança Democrática (AD), e do partido de direita radical Chega.
Todos os partidos de esquerda se abstiveram. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa promulgou a lei em 17 de julho, que entrará em vigor em 30 dias.
A UNEF vem substituir o antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), extinto em 2023. Suas competências foram redistribuídas entre entidades como a Polícia Judiciária (PJ), a Guarda Nacional Republicana (GNR), a PSP, e pela recém-criada Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
“É uma demonstração política de que o Estado não abdica do seu dever essencial, de proteger e respeitar todos os que se encontrem no nosso território”, argumentou a ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, num seminário sobre migrações realizado pela PSP.
“Não há liberdade possível sem segurança e não há segurança sem controle de fronteiras.”
Até agora, a AIMA era a entidade responsável pela repatriação de imigrantes. No entanto, segundo o governo, o modelo não era eficaz, não permitindo a execução das ordens de expulsão de imigrantes. Assim, segundo o texto aprovado, a UNEF vai assumir as atribuições da AIMA.
Restrições recentes para parentes e procura de trabalho
Família em unidade da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA); reagrupamento familiar foi dificultado.
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A criação da unidade de polícia faz parte de maior rigidez com a imigração que Portugal vem adotando nos últimos meses.
Em 2 de junho, o governo já tinha anunciado a expulsão de 33.983 imigrantes que solicitaram residência no país, mas tiveram o pedido negado. Desses, 5.368 são brasileiros.
Além disso, o visto de procura de trabalho, um dos mais requisitados pelos brasileiros, será restrito a “profissões altamente qualificadas” — cujos detalhes ainda não foram divulgados.
Os imigrantes que entrem ou permaneçam de forma irregular no país terão o visto automaticamente recusado, qualquer que seja o tipo.
O reagrupamento familiar (solicitação para que parentes possam viver em Portugal também) só será possível após dois anos de residência no país, com exceção dos filhos menores.
O pedido também precisará ser feito fora de Portugal. Na prática, só será possível a entrada de casais se os dois tiverem visto. Caso contrário, o cônjuge sem visto terá de esperar dois anos para fazer o reagrupamento familiar. Além disso, o casal precisa agora comprovar que viveu junto em outro país.
Para os estrangeiros que falem português, o prazo para pedir a nacionalidade portuguesa passa de cinco para sete anos; para os demais casos, o prazo é de 10 anos.
Impacto na comunidade brasileira
Portugal tem a segunda maior comunidade de brasileiros fora do Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos.
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A política migratória recente de Portugal tem gerado apreensão entre os brasileiros vivendo no país europeu, que são a maior comunidade de imigrantes no país.
Cerca de 1,5 milhão de estrangeiros vivem em Portugal em situação regular, número que triplicou em uma década. Desses, 550.000 são brasileiros, 36% do total.
Portugal tem a segunda maior comunidade de brasileiros no exterior, atrás apenas dos Estados Unidos.
Agora, muitos desses brasileiros podem ter seus planos frustrados.
Em 2023, segundo o último relatório disponível da AIMA, foram concedidos residência a 328.978. Desses, 147.262, mais de 44%, foram para brasileiros.
Naquele ano, 44.878 vistos foram emitidos como parte do programa de reagrupamento familiar — mas, não há dados específicos de nacionalidade.
As mudanças nas regras de concessão de visto de procura de trabalho também afetam diretamente os brasileiros, uma vez que é um dos serviços mais demandados no consulado do país.
Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 2024 foram concedidos 32 mil vistos de trabalho pela rede consular portuguesa — 40% deles, cerca de 13 mil, a cidadãos brasileiros.
Além disso, os brasileiros são uma parcela importante da força de trabalho em Portugal: mais de 200 mil estão inscritos na Segurança Social (ou seja, são pessoas que têm trabalhos formais).
Segundo dados de junho de 2024 do Banco de Portugal, os brasileiros lideravam entre os trabalhadores estrangeiros de todos os setores, menos agricultura e pesca — onde predominam indianos, nepaleses e bengalis.
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Governo brasileiro manifesta preocupação
O governo brasileiro já expressou sua preocupação com as alterações recentes e disse estar acompanhando o processo “com atenção”, recordando que os portugueses no Brasil gozam de “status privilegiado”.
“O Brasil buscará maiores informações sobre as propostas”, declarou à agência Lusa o embaixador Carlos Sérgio Sobral Duarte, secretário de África e de Oriente Médio do Ministério de Relações Exteriores, em reportagem publicada na última quinta-feira (17).
Duarte reiterou “a expectativa de que eventuais alterações preservem os direitos dos imigrantes”.
Já no início do mês, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou que o Brasil poderia adotar medidas de reciprocidade diante das ações restritivas de Portugal.
“A questão do visto se regula pelo princípio da reciprocidade. Todas as medidas que forem adotadas [em Portugal], eventualmente, serão adotadas também pelo Brasil. Ocorre que, por força da Constituição, os portugueses no Brasil têm uma série de vantagens em relação a cidadãos de outros países. Então, não creio que uma mera medida administrativa possa prejudicar esse relacionamento muito próximo que temos”, disse à agência Lusa.