Mundo lembra 100 anos do fim da 1ª Guerra Mundial
“TÁXIS! TÁXIS! TÁXIS! Nossa nova frota de carros altamente decorados está agora à disposição do público. Eles são elegantemente equipados por dentro e por fora, e podem ser facilmente reconhecidos pela Cruz Vermelha pintada de cada lado. Apite três vezes ou ligue”.
O anúncio recheado de ironia aparece no “The Wipers Times”, de 1916, e transforma em táxis de luxo as ambulâncias usadas para transportar feridos de guerra. A piada é pesada, mas foi feita pelos próprios soldados britânicos da Primeira Guerra Mundial.
✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 DF no WhatsApp.
O The Wipers Times foi um dos diversos jornais feitos por soldados e para soldados nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Esta segunda-feira (28) marcou os exatos 111 anos do começo efetivo do conflito europeu, com a invasão da Sérvia pelo então Império Austro-Húngaro.
A guerra de trincheiras durou mais de três anos – e os jornais produzidos no front foram tema de pesquisa do professor da Universidade de Brasília (UnB) Bruno Leal, que detalhou as publicações em entrevista ao g1.
Segundo o professor, os soldados escreviam sobre a realidade da guerra, sempre com muito humor.
“[Os soldados] tiravam, mesmo que por poucos momentos, as suas cabeças da violência da guerra, dos perigos da trincheira, e concentravam-se em criar, inventar, produzir algo com o qual eles poderiam rir e fazer os outros rirem”, diz o professor.
Como eram as trincheiras
Soldados fazem reparo em trincheira após ataque a bomba.
Flickr/U.S National Archives
As trincheiras eram construções fortificadas em buracos de mais ou menos 3 metros de profundidade, por até 2 metros de largura.
O local servia para bloquear o avanço de tropas inimigas, cercado com metralhadoras, arame farpado, minas e outros obstáculos.
Não existem registros precisos do número de mortes nas trincheiras. Algumas estimativas falam em mais de 8 milhões de soldados vítimas desses sangrentos confrontos.
Jornais de trincheira
Três soldados canadenses são flagrados lendo jornal e sorriem para a foto. 21 de Fevereiro de 1918, em Lens.
Rider-Rider/reprodução
Segundo o professor Bruno Leal, a guerra de trincheiras foi uma guerra onde também houve tédio e ócio – principalmente, quando as unidades pouco avançavam no campo de batalha.
“Os jornais de trincheira foram uma reação a esses momentos de inatividade”, diz o pesquisador da UnB. Alguns jornais eram feitos à mão, enquanto outros eram impressos.
O britânico The Wipers Times, citado no início da reportagem, circulou na Bélgica entre 1916 e 1918. Ele era impresso próximo do front de batalha, em uma impressora que foi encontrada abandonada em Ypres e depois consertada.
Primeira Guerra Mundial: soldados alemães defendem trincheira na fronteira com a Bélgica
U.S National Archives
O professor Bruno Leal conta que as publicações não tinham uma periodicidade exata. Nem sempre havia insumos e equipamentos adequados, e os editores podiam morrer ou ser feridos.
O pesquisador da UnB também diz que os jornais evitavam fazer críticas diretas aos seus superiores ou à condução da guerra, para evitar a censura.
Com tom de humor, os textos tratavam de temas como a qualidade da comida do batalhão, a falta de equipamentos, as doenças, o drama dos feridos e as coisas que eles sentiam falta.
“Os soldados criaram os seus próprios jornais porque isso lhes dava uma ocupação divertida e prazerosa”, fala Bruno Leal.
Mais de 600 jornais identificados
Capa de edição do jornal de trincheira Le Poilu, de novembro de 1918.
Gallica/reprodução
Bruno Leal explica que a historiografia já identificou 107 jornais de trincheira nos exércitos britânicos, 400 nos franceses, 100 nos alemães e pelo menos 50 entre os italianos.
Na França, um jornal muito popular foi o “Le Bochofage”, que circulou na região de Champagne entre julho de 1916 e dezembro de 1918.
Outro jornal francês foi o “La Greffe Générale – ou l’organe des blessés de la face”, editado por soldados que sofreram mutilações no rosto.
“Boa parte dos textos do jornal era sarcasmo puro, e o seu lema geral não deixava dúvidas quanto ao tom editorial: ria mesmo assim”, diz Bruno Leal.
O jornal canadense The Listening Post, do 7º Batalhão da Força Expedicionária, foi um dos mais lidos. “Ele teve mais de 20 mil exemplares vendidos na Frente Ocidental”, fala Bruno Leal.
Capa de edição do The Listening Post, de 20 de abril de 1917.
Library and Archives Canada/reprodução
Em uma cômica coluna do The Listening Post, de 1917, o título “Ordens que você nunca verá no batalhão” traz o seguinte texto:
“A partir desta data, a Cantina funcionará somente nos seguintes horários: 6h às 11h, 11h às 15h, 15h às 23h, 23h às 6h. Durante os horários restantes, não serão vendidas bebidas alcoólicas com teor superior a 2%. A Cantina não terá mais suprimentos de salsichas alemãs, golas de linho ou ovos de avestruz.”
Bruno Leal, pesquisador e professor da Universidade de Brasília (UnB).
arquivo pessoal
LEIA TAMBÉM:
CONFLITO EM IMAGENS: Entenda a 1ª Guerra Mundial em 20 fotos da época
BRASIL NA 2ª GUERRA: Combatentes brasileiros voltaram há 80 anos; saiba como foi a participação no conflito
Leia mais notícias sobre a região no g1 DF.

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.