Criança desnutrida é tratada em Gaza
HAITHAM IMAD/EPA-EFE/Shutterstock
A Classificação Integrada de Fases da Segurança Alimentar (IPC, na sigla em inglês) emitiu um alerta de que “o pior cenário possível de fome está atualmente se concretizando na Faixa de Gaza”.
O documento, produzido por uma revisão técnica apoiada pela ONU, afirma:
“Crescentes evidências mostram que a fome generalizada, a desnutrição e as doenças estão provocando um aumento nas mortes relacionadas à fome.”
“Dados mais recentes indicam que os limiares de fome foram atingidos em relação ao consumo de alimentos na maior parte da Faixa de Gaza e em relação à desnutrição aguda na Cidade de Gaza.”
Em maio, o IPC já havia alertado que os cerca de 2,1 milhões de palestinos vivendo em Gaza estavam em “risco crítico” de fome e enfrentavam “níveis extremos de insegurança alimentar”.
Apesar da gravidade, o novo alerta não representa uma declaração formal de fome em Gaza. O IPC informa que fará uma nova análise “sem demora”.
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Na véspera da publicação do alerta, diversas autoridades de alto escalão das Nações Unidas se manifestaram sobre a situação em Gaza:
António Guterres, secretário-geral da ONU: “A destruição total de Gaza é intolerável. Deve parar.”
Tom Fletcher, chefe humanitário da ONU: “Os próximos dias serão decisivos. Precisamos entregar ajuda em uma escala muito, muito maior. São necessárias quantidades vastas de ajuda entrando com muito mais rapidez.”
Ben Majekodunmi, chefe de gabinete da agência da ONU para refugiados palestinos (Unrwa): “Palavras de indignação e condenação já não são suficientes diante do que está acontecendo. É preciso ação imediata para impor um cessar-fogo há muito necessário, reverter a fome crescente e libertar todos os reféns.”
Tanto Israel quanto o Hamas culpam um ao outro pela situação humanitária em Gaza.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, declarou: “Não há fome em Gaza, nem política de fome em Gaza.”
O que mais diz o relatório da IPC?
A mesma avaliação apoiada pela ONU afirma que “apenas uma ação imediata para encerrar as hostilidades” e o acesso humanitário “sem impedimentos e em larga escala” podem evitar mais mortes e “sofrimento humano catastrófico”.
Estão entre os principais pontos do relatório:
O acesso a alimentos e outros itens e serviços essenciais caiu para “níveis sem precedentes”;
De maio a julho de 2025, a proporção de famílias enfrentando fome extrema dobrou;
Na Cidade de Gaza, a taxa de desnutrição passou de 4,4% em maio para 16,5% em julho; em junho, dois quintos das mulheres grávidas ou lactantes estavam em estado de desnutrição aguda;
O norte de Gaza enfrenta desafios semelhantes e é apontado como uma “área de grande preocupação”, mas a falta de dados impede a verificação completa
Sobre a Gaza Humanitarian Foundation (GHF), grupo apoiado por Israel e pelos Estados Unidos, o relatório diz:
O Comitê de Revisão de Fome da IPC analisou os pacotes de alimentos distribuídos pela GHF e concluiu que “o plano de distribuição levaria à fome em massa”;
A maioria dos itens fornecidos pela GHF “não é pronta para o consumo e exige água e combustível para preparo, que estão amplamente indisponíveis”;
O relatório também critica o acesso aos pontos de distribuição da GHF, que “exige deslocamentos longos e arriscados, com acesso desigual entre as regiões”.
O que é necessário para que uma crise alimentar seja classificada como fome?
A IPC não declara formalmente a ocorrência de uma fome, mas fornece as análises técnicas que servem de base para governos e organismos emitirem declarações oficiais.
Segundo a definição formal da IPC, três critérios precisam ser atendidos para caracterizar uma fome:
Pelo menos 20% das famílias apresentarem extrema falta de alimentos e enfrentarem fome ou miséria;
Mais de 30% das crianças menores de cinco anos sofrerem de desnutrição aguda;
Duas mortes adultas ou quatro mortes de crianças a cada 10 mil pessoas por dia, causadas por fome ou desnutrição.
Coletar dados em Gaza tem sido extremamente difícil.
Amande Bazerolle, responsável pela resposta emergencial dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Gaza, disse à agência AFP que os bloqueios e os combates impedem a realização de pesquisas necessárias para a classificação formal de fome.
Jean-Raphael Poitou, diretor do programa para o Oriente Médio da ONG Ação Contra a Fome, também ouvido pela AFP, afirmou que os deslocamentos forçados ordenados pelo Exército israelense e as restrições de movimento nas áreas mais afetadas “complicam enormemente” a situação.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, rejeitou as acusações de que haja fome em Gaza.
No domingo (27), declarou: “Que mentira descarada. Não há política de fome em Gaza, e não há fome em Gaza.”
‘Estamos facilitando a entrada de ajuda’
Enquanto o relatório da IPC era divulgado, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Sa’ar, falou com jornalistas.
Questionado sobre se Israel estaria bloqueando a ajuda humanitária, Sa’ar respondeu que isso é uma “mentira”, e que a “realidade” é que o país está, na verdade, facilitando a entrada da ajuda.
Segundo ele, mais de 200 caminhões com ajuda humanitária entraram em Gaza desde ontem. “Qualquer um que queira fazer isso, pode fazê-lo”, afirmou.
O ministro disse ainda que corredores humanitários foram abertos e mencionou as pausas táticas anunciadas no fim de semana, entre 10h e 20h, para que os caminhões distribuíssem a ajuda com segurança. Também citou lançamentos aéreos de alimentos realizados no sábado e afirmou: “Não há rota que não estejamos utilizando.”
No entanto, o relatório publicado pelo órgão apoiado pela ONU destaca que “a ajuda humanitária continua extremamente restrita devido a pedidos de acesso humanitário sendo repetidamente negados e a incidentes de segurança frequentes”.

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