O que impediu mortes no terremoto mais forte desde 2011 na Rússia
Forte terremoto na Rússia dispara alertas de tsunami no Pacífico
Apesar da magnitude extrema de 8,8 — a maior registrada desde o terremoto de Fukushima, em 2011 — o terremoto que atingiu a Rússia na terça-feira (29), não deixou mortos. O tremor provocou alertas de tsunami em diversos países banhados pelo Pacífico, como Japão, Estados Unidos, Chile e Equador, e ondas chegaram a atingir 5 metros de altura em algumas regiões da Rússia. Ainda assim, não houve registro de fatalidades.
Especialistas ouvidos pelo g1 apontam que a ausência de vítimas fatais se deve a uma combinação de fatores: o local do epicentro, distante de áreas densamente povoadas; o tipo de falha geológica responsável pelo tremor; a atuação imediata de sistemas nacionais de alerta; e o preparo prévio da população para evacuação.
Países como Rússia e Japão passaram por profundas reformas em suas políticas de resposta a desastres naturais desde tragédias anteriores — como o tsunami de 2004 no Sudeste Asiático e o de 2011 no Japão — e isso fez diferença.
“Existe toda uma infraestrutura global de monitoramento e alerta de tsunamis que está em operação desde meados dos anos 2000”, explicou José Marengo, coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden. Segundo ele, países que têm histórico com esse tipo de desastre, especialmente os da Bacia do Pacífico, desenvolveram tanto sistemas de alerta eficientes quanto uma cultura de resposta rápida da população. “Quando se emite uma sirene, todos já sabem o que fazer”, disse.
Epicentro remoto e falha geológica ajudaram a limitar danos
Para o sismólogo Bruno Collaço, do Centro de Sismologia da USP, o local do terremoto teve papel fundamental: “Aconteceu em alto-mar, a mais de 100 quilômetros da costa, e numa das regiões menos povoadas do planeta”. Segundo ele, mesmo as ondas de tsunami geradas pela falha geológica — do tipo reversa, que desloca a coluna d’água verticalmente — perderam força ao se aproximar do continente. “Não é o tremor em si que causa mortes, mas os desabamentos. E ali praticamente não há estruturas civis importantes.”
“Esses fatores, somados ao grau de ocupação das áreas costeiras, influenciam diretamente a gravidade do impacto”, disse a professora Lisa McNeill, da Universidade de Southampton à BBC.
O professor João Willy Corrêa Rosa, do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB), explica que o terremoto ocorreu a cerca de 110 km da costa russa, próximo à cidade de Petropavlovsk, numa região praticamente inabitada do nordeste da Península de Kamchatka.
“Esse foi um dos dez maiores sismos já registrados pela humanidade. A magnitude de 8,8 equivale à liberação de energia de mais de 30 mil bombas de Hiroshima”, afirma o geofísico.
Ainda segundo Rosa, o tsunami gerado pelo tremor foi relativamente pequeno em comparação a eventos históricos, como o de Sumatra (2004) ou Tohoku, no Japão (2011).
“A maior parte da energia do sismo se propaga rapidamente pela rocha, mas as ondas de tsunami viajam muito mais devagar — o que dá tempo para emitir alertas e evacuar áreas de risco”, explicou.
Segundo ele, essa diferença de velocidade entre ondas sísmicas e oceânicas é o que torna possível prever a chegada do tsunami horas antes de ele alcançar a costa, e ainda Rosa ressaltou que, embora o terremoto tenha sido extremamente energético, apenas parte dessa energia foi transferida à água do oceano.
“O tamanho do tsunami depende da energia liberada, mas também da topografia submarina e de condições locais. No Havaí, por exemplo, nenhuma onda superou um metro”, afirmou.
Na Rússia, as ondas mais fortes foram registradas em Severo-Kurilsk e Yelizovo, com alturas entre 3 e 5 metros. Portos foram inundados, embarcações destruídas e instalações de processamento de pescado danificadas. Ainda assim, mais de 2 mil pessoas foram evacuadas com antecedência.
O país vem investindo na modernização de seu sistema nacional de alertas — o RSChS-Tsunami — e criou uma rede integrada com boias oceânicas, estações sísmicas e centros regionais que emitem avisos em menos de 10 minutos após o tremor.
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Sistema russo de alerta é fruto de reformas iniciadas após 2004
Tsunami atinge a Rússia após terremoto de magnitude 8,8
Reprodução/KAMCHATKA
Após o tsunami que matou mais de 230 mil pessoas na Ásia em 2004, a Rússia reforçou sua infraestrutura de detecção e resposta. Desde então, desenvolveu o OKSION, sistema nacional de notificação que inclui sirenes, SMS, aplicativos móveis e painéis digitais. Treinamentos de evacuação se tornaram regulares em comunidades costeiras e, mais recentemente, o programa “My City is Safe” envolveu mais de 70 entidades da federação na autoavaliação de riscos.
A própria região de Kamchatka, onde ocorreu o terremoto, mantém uma rede com 88 estações sísmicas e centros de comando capazes de emitir alertas de tsunami validados em tempo real. Em julho de 2025, por exemplo, autoridades russas já haviam testado com sucesso os protocolos de evacuação após um tremor de 7,4.
Japão também reformulou políticas de resposta após 2011
O Japão, por sua vez, consolidou o sistema de alerta precoce Earthquake Early Warning (EEW) após o desastre de 2011, que matou mais de 15 mil pessoas. Atualmente, o país é capaz de emitir alertas segundos antes dos abalos mais intensos e de orientar evacuações por meio de rádio, TV, sirenes e celulares com o J-Alert. No episódio mais recente, quase 2 milhões de pessoas receberam ordens para deixar as áreas costeiras de Hokkaido a Kyushu. Ondas de até 1,3 metro foram registradas, mas não houve danos significativos.
A legislação japonesa também foi revista: desde 2011, foram criadas zonas especiais de segurança, investiu-se em barreiras físicas como “seawalls” e edifícios de evacuação, e até drones com alto-falantes foram integrados ao sistema de resposta em praias como as de Chiba.
“O Japão é o país que mais investe em engenharia sísmica no mundo”, disse Collaço, sismólogo da USP.
Alerta global evitou tragédia também nos EUA e América Latina
No Havaí, as sirenes tocaram durante a madrugada e ondas de até 1,2 metro atingiram praias como Hanalei e Haleiwa. O governador decretou estado de emergência, voos foram cancelados e moradores da costa foram retirados. Na Califórnia, Alaska e demais regiões da costa oeste americana, houve aumento do nível do mar e ativação de alertas de tsunami.
Chile, Equador e países da América Central também emitiram alertas, com ondas previstas entre 1 e 3 metros — mas, novamente, sem registros de vítimas.
“O que vimos foi o resultado de uma soma de fatores: alerta antecipado, resposta coordenada, percepção coletiva do risco e estruturas preparadas”, avaliou Marengo.
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